Oct 23

Beagles unidos jamais serão vencidos

Meu coração vibrou com o resgate dos coitadinhos dos beagles, claro.
Mas em seguida minha cabeça deu o alerta:
No mundo inteiro esse tipo de ativismo direto, invasivo e causador de danos, infelizmente não tem dado certo.
Sem maiores considerações filosóficas (por que é evidente que os animais não poderiam, nunca, serem submetidos ao capitalismo nojento da indústria farmacêutica), ações anteriores sempre resultaram na punição dos bem intencionados.
Aqui e lá fora, a Lei fica do lado dos malvados e pronto.
Como diz o ditado americano, é a economia, estúpido!
Alguns cachorrinhos a menos para os bandidos que, em seguida, prosseguem suas experiências, lícitas mas imorais, até em maior escala.

Talvez haja um jeito porém de fazermos desse limão azedo uma limonada bem grande e doce que refresque a barra dos nossos indefesos amiguinhos de quatro patinhas:
O boicote  de todos os produtos experimentados naqueles campos de concentração tipo Royal.
Se todos nós, os bípedes humanos conscientes da gravidade e crueldade da situação, deixarmos de comprar os produtos lá testados atingiremos o único órgão sensível desse leviatã moderno: o bolso!
Então, aproveitando o impacto da recente invasão repercutindo na mídia, mudaremos o foco da discussão para o que realmente interessa.
De minha parte, começarei agora mesmo, enviando uma lista das empresas e seus produtos que fomentam esses “centros de pesquisa”.
Claro que o Sistema vai reagir exibindo seus rôtos argumentos de necessidade de testar os cosméticos e remédios em bichos para a segurança dos consumidores, blábláblá.
Que se danem: não precisamos deles.
Eles sim é que precisam de nós, consumidores.
Ou param com essa prática escrota ou paramos de dar dinheiro para seus sanguinolentos cofrinhos.
Acham que a indústria cosmética, por exemplo, não irá rever seus processos de testes quando a mulherada souber que está passando nas unhas, nos lábios e na pele, melecas resultantes do sofrimento e da morte de peludinhos inocentes?
Daí saímos dessa categoria vulnerável de ecoterroristas para a nossa real condição: a de seres humanos que amam, acolhem, respeitam, e apenas querem proteger os seres não humanos de nossa doente civilização.
Nosso desespero, e indignação, é tão legítimo que não merecemos ficar apenas na defensiva ou no ataque esporádico.
Primeiro é levantar a lista das empresas e seus produtos. Depois botar a boca no trombone, divulgar, discutir, espalhar, questionar, sem parar, o tempo todo. Até que o tempo, senhor da razão, acalme essa tempestade de insensatez que assola o único mundo que temos.
De nosso sonho, duas patas convivendo em harmonia com quatro patas ou duas asas, nossos inimigos darão risada. Da dura realidade de não ter mais lucro fácil irão chorar.
Simples mas eficiente assim. Transformar nossa fraqueza em força, a única força que o outro lado entende e respeita: a do dinheiro, do poder de comprar.
Alguém me acompanha?

Ulisses Tavares, depois de décadas de militância animal, é um dócil beagle aprendendo a morder.

Sep 3

Nesta noite de domingo ele dorme, como sempre, aqui no meio da sala.
Só que, desta vez, não irá acordar nunca mais.
Meu melhor amigo, o Ferinha Mel, morreu da maneira que viveu: como um anjinho.
Olhando seu corpo peludo, sua carinha de criança cheia de cabelinhos brancos, meu coração encolhido, angustiado, exausto pelas tentativas de hoje a tarde, no mercenário hospital veterinário, de espetar e entupir seu combalido ser de remédios e soros, penso que atendi seu último desejo, no último olhar que me dirigiu.
Em nossa comunicação visceral, entendi o que me disse:
Pai, me tira desse lugar, quero partir lá onde aprendi a ser feliz desde filhotinho. A nossa casa.
Ferinha Mel nunca teve uma casinha de cachorro, teve é uma casa inteira para o cachorro.
Tanto que agora há pouco a veterinária insistiu em leva-lo de volta ao hospital e eu, em nome dele, recusei.
Nem daria tempo: seu coraçãozinho parou de repente, cercado de pessoas que o conheciam e o amavam.
Vai ficar o profundo vazio de sua presença física, sei, claro.
Meu grudinho. Meu pançudinho. Meu encrenquinha. Meu melhor amigo. Meu filho. Meu amor.
Neste velório íntimo e dolorido, em que minha alma escorre em lágrimas, continuo sabendo o que ele quer.
Que eu me lembre que ele só veio parar em meus braços para me alegrar, repartir, consolar, se doar e agradecer as zilhões de pequenas coisas que compartilhamos.
Foi ele quem me estimulava a defender os animais, todos.
Foi ele quem me mostrou que não há dia ruim que não melhore diante de uma boa lambida.
Foi ele quem me ensinou a abanar mais o rabinho e rosnar menos.
No céu dos cachorrinhos, continuará a fazer isso.
E na terra fico eu com seu legado, sua herança abençoada, sua sabedoria de carpem diem.
Ferinha Mel apenas finge que morreu, o sapequinha.
O safadinho sabe muito bem que continua aqui, para o resto de minha vida.
Uma vida que, confesso, me parece no momento bem triste.
Mas não é o que ele me deseja.
Por isso prometo: quando ficar vendo o mundo cinzento demais, chamarei por ele e suas vívidas lembranças.
Não há adeus, portanto, apenas a humana dor da perda.
Ferinha Mel, tenho apenas tudo a agradecer. 

Ulisses Tavares tem agora vivo dentro do peito o Ferinha Mel a lhe consolar, ensinar. Como sempre foi e será.

Nov 11