







Beagles unidos jamais serão vencidos
Meu coração vibrou com o resgate dos coitadinhos dos beagles, claro.
Mas em seguida minha cabeça deu o alerta:
No mundo inteiro esse tipo de ativismo direto, invasivo e causador de danos, infelizmente não tem dado certo.
Sem maiores considerações filosóficas (por que é evidente que os animais não poderiam, nunca, serem submetidos ao capitalismo nojento da indústria farmacêutica), ações anteriores sempre resultaram na punição dos bem intencionados.
Aqui e lá fora, a Lei fica do lado dos malvados e pronto.
Como diz o ditado americano, é a economia, estúpido!
Alguns cachorrinhos a menos para os bandidos que, em seguida, prosseguem suas experiências, lícitas mas imorais, até em maior escala.
Talvez haja um jeito porém de fazermos desse limão azedo uma limonada bem grande e doce que refresque a barra dos nossos indefesos amiguinhos de quatro patinhas:
O boicote de todos os produtos experimentados naqueles campos de concentração tipo Royal.
Se todos nós, os bípedes humanos conscientes da gravidade e crueldade da situação, deixarmos de comprar os produtos lá testados atingiremos o único órgão sensível desse leviatã moderno: o bolso!
Então, aproveitando o impacto da recente invasão repercutindo na mídia, mudaremos o foco da discussão para o que realmente interessa.
De minha parte, começarei agora mesmo, enviando uma lista das empresas e seus produtos que fomentam esses “centros de pesquisa”.
Claro que o Sistema vai reagir exibindo seus rôtos argumentos de necessidade de testar os cosméticos e remédios em bichos para a segurança dos consumidores, blábláblá.
Que se danem: não precisamos deles.
Eles sim é que precisam de nós, consumidores.
Ou param com essa prática escrota ou paramos de dar dinheiro para seus sanguinolentos cofrinhos.
Acham que a indústria cosmética, por exemplo, não irá rever seus processos de testes quando a mulherada souber que está passando nas unhas, nos lábios e na pele, melecas resultantes do sofrimento e da morte de peludinhos inocentes?
Daí saímos dessa categoria vulnerável de ecoterroristas para a nossa real condição: a de seres humanos que amam, acolhem, respeitam, e apenas querem proteger os seres não humanos de nossa doente civilização.
Nosso desespero, e indignação, é tão legítimo que não merecemos ficar apenas na defensiva ou no ataque esporádico.
Primeiro é levantar a lista das empresas e seus produtos. Depois botar a boca no trombone, divulgar, discutir, espalhar, questionar, sem parar, o tempo todo. Até que o tempo, senhor da razão, acalme essa tempestade de insensatez que assola o único mundo que temos.
De nosso sonho, duas patas convivendo em harmonia com quatro patas ou duas asas, nossos inimigos darão risada. Da dura realidade de não ter mais lucro fácil irão chorar.
Simples mas eficiente assim. Transformar nossa fraqueza em força, a única força que o outro lado entende e respeita: a do dinheiro, do poder de comprar.
Alguém me acompanha?
Ulisses Tavares, depois de décadas de militância animal, é um dócil beagle aprendendo a morder.
Com quem fica nossa criança de quatro patas?
Já passei por essa situação, corriqueira, mas dolorida, ene vezes. Por conta de minha sede e fome de vida plena, e por colocar o coração acima da razão, casei e descasei a perder a conta. Até aí tudo bem, nada a surpreender na vida de um poeta em tempo integral. Faria, e acabei de fazer de novo, sem pensar duas vezes.
Mulheres e musas passam. Algumas como o vento, brisas leves, outras como maremotos, tsunamis a devastar meus planos e sonhos. Todas desejadas, bem-vindas, amadas, amigas, amantes e companheiras desse navegar por um mundo hostil e consagrado ao deus mercado. Até que o navio encalha e cada um procura voltar a seu porto como der e puder, de iate, jangada, ou remando ou nadando ou andando e se lixando. De tempos em tempos, nos atracamos novamente. Porque amor não morre, apenas dorme ou fica escondido ou sonhando de olhos abertos.
O amor tem suas próprias leis, fluidas, escritas na areia da praia, das quais continuo apenas aprendiz de marinheiro.
Mas cachorros não passam. Gatos não passam. Animais de estimação nunca passam.
O que fazer com eles numa separação?
Esse é o problema. O resto é de solução bem mais fácil, embora sofrida: um vai para lá, outro vai para cá. E pronto. E ponto final ou reticências nos tribunais.
A relação entre os bípedes humanos acaba. Animais, porém, são fiéis até a morte. Instintivamente românticos por natureza. Para eles, o clichê do felizes para sempre é cláusula pétrea de seus corações felinos ou caninos, indiscutível.
É deles a superioridade de terem amor que resiste a qualquer intempérie, qualquer mudança do destino.
Agradeço sempre ter tido o privilégio de namoradas, ficantes e cônjuges, nunca criarem problemas quando o assunto era sobre quem vai ficar com o cachorro ou o gatinho.
Apenas uma ex, vingativa, para me punir, claro, descarregou sua raiva separando dois cães maravilhosos que tínhamos em comum e se adoravam.
O que ficou comigo morreu de câncer, o que ficou com ela também, pouco tempo depois. Coincidência ou aviso de tragédia anunciada? O que para nós é figura de retórica, para os peludinhos é literal: definham e morrem por abandono e falta de lar e aconchego. Tristeza e saudade nos afligem a alma. À eles, também o corpo.
Do alto, ou baixo, do que o amor e a dor me ensinam, me atrevo a aconselhar casais em vias de separação: discutam menos quem é culpado do que, quem errou de mais ou de menos, e outros quejandos que em nada contribuem para a paz futura, e se concentrem sobre o que fazer com os filhos de quatro patas e mil amorosidades e alegrias e cafunés em comum.
Nada de privar seu, ou sua, ex, de compartilhar a criança peludinha.
Entrem num acordo, como fariam se fosse o impasse sobre um filho ou filha. Filho e filho eles foram, são e serão.
Se a barra do diálogo estiver pesada, estabeleçam dias de visita, ao menos. Ou, mais bacana, deixem a porta aberta para a visita aos rabinhos balançantes.
Decidam com o coração esvaziado de raiva e frustração.
Os filhos e filhas de quatro patas amam e amarão os dois, independente de vocês não mais se amarem e se bicarem.
Animais de estimação não merecem, nunca, pagar pelos nossos erros, egoísmos e desacertos.
Ulisses Tavares pode até ser um exemplo de marido volátil. Mas nunca de um tutor ausente. Coisas de poeta.
Arte: Claudio Duarte